A Aurora Dourada



A Ordem Hermética da Aurora Dourada (Golden Dawn), foi uma sociedade mágica surgida na Inglaterra, na década de 1880, que reunia várias vertentes do Ocultismo, e cujas ramificações encontram-se ativas até os dias de hoje.

No dizer de Gerald Yorke, a Aurora Dourada foi "a glória culminante do renascimento ocultista do século XIX, sintetizando um vasto corpo de material desconexo e disperso, em um todo coerente, prático e eficiente, o que não pode ser dito de qualquer outra ordem ocultista de que tenhamos conhecimento naquele tempo ou a partir de então".
Até o surgimento da Golden Dawn, o Ocultismo Ocidental se compunha de diversas tradições separadas, por vezes divergentes. A Alquimia, a Astrologia, a Magia Cerimonial eram secundados por diversos métodos divinatórios, e influenciados por diversas crenças, como o Pitagorismo, o Neoplatonismo, o Catarismo, o Maniqueísmo, a Gnose, o Judaísmo e o Hermetismo, que transitavam por diversas culturas, como a greco-romana e a árabe.
Porém, à época da Aurora Dourada (Século XIX), pode-se dizer que a tradição mágica ocidental havia se perdido, abrindo espaço para movimentos ocultistas de inspiração oriental (como a Teosofia). Nesse sentido, é possível interpretar o advento da nova Ordem como uma reação a essa tendência orientalizante.

No resgate da tradição mágica ocidental, a Golden Dawn aprofundou ao máximo as ligações com a Cabala e com a antiga Magia Cerimonial, às quais ela agregou o esquema de correspondência universal proposto por Eliphas Lévi, devidamente ampliado, desenvolvido e codificado para que cada fator no Universo passasse a ter correspondência no Ser Individual.[3] Assim, todos os sistemas ocultistas antes existentes foram integrados num único corpo de pensamento, interrelacionado, interdisciplinar e interdependente.

Nesse novo corpo de pensamento,[4] a Magia tornou-se uma disciplina prática e dinâmica, aonde, ao incentivo às experimentações (por exemplo, a Viagem Astral), se mesclaram três sistemas operatórios principais: a Magia Cerimonial, dotada de um novo código de signos, a Magia Enoquiana,[5] e a Magia de Abramelin, (ou Magia Angélica).

Seu sucesso deveu-se à ênfase no erudito, à qualidade de seu núcleo fundador, à sua organização esmerada, ao seu incentivo à pesquisa, e à admissão de membros sem restrições de sexo, religião ou raça; mas sua importância fundamental para o renascimento do Ocultismo resultou, principalmente, de sua original capacidade de recriar e reinterpretar os vários e antigos sistemas de sabedoria oculta, cultivados no mundo Ocidental.
Desde o século XVII, na Inglaterra, tanto a Magia quanto a Astrologia, que eram pedras angulares do Ocultismo e haviam desempenhado, nos séculos anteriores, um importante papel no campo da compreensão do Universo, deixaram de ser intelectualmente aceitáveis, por força de processos históricos que culminaram no advento da Reforma e no posterior triunfo da Filosofia Mecânica. Ciência e Magia se dissociaram, enquanto a Astrologia tornou-se um conhecimento estagnado e tratado como superstição.[6]

Mas no século XIX, esse cenário se alterou. A Inglaterra encontrava-se no auge de sua expansão imperialista, projetando-se nos mais distantes recantos do planeta, o que tornava Londres uma metrópole culturalmente cosmopolita, receptiva a novas idéias e doutrinas. Será nesse cenário de efervescência cultural que o Ocultismo se reerguerá, até como um contra-ponto ao cientificismo (que o Positivismo consagraria como filosofia), com sua certeza no progresso da Humanidade guiada pelo racionalismo materialista da Ciência.

O ponto de partida para o ressurgimento do Ocultismo na Inglaterra foi a publicação de "Magus" (1801), livro de Francis Barrett, que é basicamente uma coletânea de escritos ocultistas medievais e renascentistas. A esse livro seguiram-se os escritos do francês, Eliphas Lévi, e de Kenneth Mackenzie, cuja grande aceitação em círculos intelectuais pode ser entendido como uma reação (notadamente no final do século) ao Positivismo e ao cientificismo, que haviam transformado o Agnosticismo em palavra de ordem, exigível a quem pretendesse ser tido como pessoa culta e sintonizada com os valores superiores de seu tempo.

É nesse cenário que a Europa verá despontar o Kardecismo (e outras formas de Espiritismo) e que a russa Helena Blavatsky difundirá sua Teosofia, impregnada de Budismo tibetano e outros matizes da religiosidade oriental. É ainda nesse cenário que a Maçonaria multiplicará a quantidade de suas Lojas, atraindo artistas e intelectuais, e que a lenda rosacrucianista renascerá das cinzas, atestando que, mesmo quando confiante de resolver os problemas de sua vida na Terra, através da Ciência, o ser humano busca respostas para questões transcendentes, que se situam na esfera de sua vida espiritual, além do alcance científico.
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