UM MARINHEIRO DA UMBANDA

Mensagem de um marinheiro recebida por Pedro Rangel*



Acontecia uma gira de esquerda e José Carlos cambonava uma entidade
conhecida como Capitão Miguel.
Havia um ano que ele começara a participar da corrente mediúnica daquele
terreiro e, apesar de conhecer um pouquinho da forma de trabalho dos
marinheiros, ele não conseguia entende-la e nem aceita-la completamente.
Nesta referida gira, então, José Carlos estava tão preocupado com as
dificuldades que o afligiam que não conseguia nem concentrar-se direito na
divina tarefa de cambonar.
A entidade girava para cá e atendia uma pessoa, girava para lá e atendia
outra enquanto José Carlos mantinha-se com o pensamento distante; Capitão
Miguel sorria para seu cambone como se nada estivesse acontecendo e
continuava a prestar seus atendimentos.
José Carlos afligia-se bastante com os problemas que estavam a martelar sua
mente e desconcentrava-se cada vez mais permitindo que sua mente começasse a
vaguear para fora do terreiro, mas foi justamente neste instante que o
marinheiro disse a ele:
— Quer resolver os seus problemas?
— Sim Capitão Miguel!
— Pois então se concentre com todo o carinho e dedicação no próximo
atendimento que farei para que tudo comece a ficar mais claro para ti, ok?
— Sim senhor!
— O senhor tá no céu, agora vem comigo que eu preciso trocar uns dedos de
prosa com aquela sereia!
Chegando perto de Matilde e beijando-lhe respeitosamente a destra foi que a
entidade cumprimentou-a:
— Boa noite minha flor!
— Boa noite Capitão Miguel!
— Gostei do seu sorriso minha sereia! Você poderia mantê-lo no rosto
enquanto eu choro suas dores?
Ao obter um franco sorriso como resposta a sua indagação a entidade passou a
utilizar as glândulas e o canal lacrimal do seu médium como forma de
descarregar a consulente através de pesadas e insistentes lágrimas.
Capitão Miguel nada dizia a Matilde. Só ficava a segurar-lhe a destra e a
olhar no fundo dos grandes, negros e doces olhos dela. José Carlos até
estranhou, mas quanto mais a entidade "chorava" mais o sorriso nos lábios de
Matilde enlarguecia.
Após alguns instantes, Capitão Miguel soltou-lhe a destra e disse-lhe:
— Não se preocupe por que seu esposo vai parar de beber e a harmonia voltará
a reinar em seu lar.
— Meu Deus é tudo o que eu mais preciso e quero!!!
—Leve três cigarros e uma "loura" pra eu na orla marítima que a gente
finaliza o trabalho. Faça isso na terça-feira à noite e a partir das 21:00
horas!
— Com certeza que farei Capitão Miguel, mas...
— Pode falar minha flor!
— Como foi que soube do meu problema sem eu nada dizer?
— O teu sorriso me disse tudo que eu precisava e poderia saber pra te
ajudar.
— Meu sorriso?
— É! Ou não é verdade que você, quando percebeu minha aproximação, pensou
assim: " Deus, meu pai, é hora de deixar os meus problemas para lá e ganhar
um pouco da alegria deste marinheiro"?
— É verdade!!!
— Saiba que a alegria da nossa vida vem da satisfação de poder ajudar todos
aqueles que nos são permitidos por Deus.
— Alegria? Mas você chorava ao tocar na minha mão!
— Enquanto o teu sorriso era um esforço divino para espantar a tristeza, as
minhas lágrimas foram uma forma de descarregar a sua tristeza através da
alegria.
— Alegria?
— Sim. A alegria de encontrar um filho de fé que consegue nos ver como
realmente somos.
— Não entendo!
— Muitos pensam que nós marinheiros somos seus escravos, que temos a
obrigação de resolver problemas que eles mesmos criam para si próprios.
Aparentemente sofrem com os problemas e desejam que sejam resolvidos; no
entanto, secretamente, são seres que das brumas ainda não saíram que só
encontram um sentido para sua vida através das dores oriundas dos problemas
que vivem a criar na forma de casos nascentes uns após outros.
— Puxa!!!
— Encontrar uma sereia como você que nos vê apenas como "lixeiros"
auxiliadores do Cristo Divino só nos faz sorrir de alegria enquanto limpamos
as mazelas astrais daqueles que se fazem merecedores.
— Lixeiros?
— Qual é a casa mais limpa? Aquela que mais se limpa ou aquela que menos se
suja?
— A que menos se suja!
— Pois então, muitos dos filhos de fé ao nos avistarem numa casa de umbanda
despejam sobre nós todas as suas imundícies, na forma de suas mazelas
conscienciais como se eles mesmos não tivessem dever algum com o asseio das
suas mentes, das suas emoções e dos seus espíritos. Poucos agem como você
agiu na gira de hoje ao me perceber indo na sua direção dizendo de você para
o Divino Criador: " meu Deus afaste estes problemas de mim e faça com que um
pouco da alegria deste marinheiro possa trazer felicidades à minha vida"; ou
seja, você ao me avistar não quis se utilizar e nem abusar do meu atributo
de "lixeiro"para despejar suas mazelas sobre mim, você viu o melhor em mim,
você só viu a minha alegria e dela procurou compartilhar.
— Puxa Capitão Miguel, você falando assim dá até vontade de chorar!
— Não chore minha sereia, pois eu já chorei por ti nesta gira!
E, como se já houvesse falado tudo o que havia para ser dito, a entidade
despediu-se de Matilde:
— Boa noite minha sereia!
— Boa noite Capitão Miguel!
Após dar algumas baforadas o marinheiro olhou para José Carlos e falou:
— E então companheiro, você se sente melhor?
— Olha, eu nem lhe falei da dificuldade que venho enfrentado e, mesmo assim,
sinto-me totalmente renovado, como pode ser isso?
— Isso acontece por que o seu "lixo" já está na minha rede.
— Rede?
— É! Você não vê?
— Não!!!
— Então deixa eu dilatar um pouquinho da sua vidência e audição mediúnica:
segure minha "loura" com a mão esquerda, feche os olhos, tome um gole e
mentalize que está de frente ao mar.
— Deus meu que gosma nojenta é esta na sua rede?
— Este é o "lixo" que recolhi de quem me foi autorizado na gira de hoje.
— Nossa que incrível!!!
— Tão incrível que aquele seu problema com sua sereia agora nem parece tão
grande, não é verdade?
— Puxa Capitão Miguel você é danado, hein? Não vou nem perguntar como o
senhor sabe disto!
— Nem haveria como eu não saber!!!
— Ah é? Por quê?
— Por que você não parou de reverberar este problema desde o inicio da gira.
— É verdade!
— Reverberava tanto o seu próprio problema que nem conseguia auxiliar-me
corretamente junto à assistência.
— Puxa, desculpe-me! Realmente esta é uma dificuldade que eu tenho, mas tudo
o que você conversou com a irmã Matilde fez-me refletir bastante sobre este
meu erro e, se Deus quiser, eu conseguirei resolver esta minha deficiência.
— Entendeu porque eu lhe determinei que se concentrasse em minha conversa
com a Matilde?
— Entendi!
— Nenhum ser humano é maior que outro. Um problema de um ser humano jamais
será maior que o problema de outro ser humano; então, no auxilio fraterno ao
próximo, um filho de fé não deve disso se esquecer para que possa auxiliar
ao seu irmão da melhor forma possível!
— É verdade Capitão Miguel!!! Penso que aprendi a lição.
— Na história de vida de um único ser humano está contida toda a história da
humanidade: na história de cada um haverá alegrias com vitórias alcançadas,
tristezas devido a quedas morais e esperança de que novas vitórias sejam
alcançadas ao conseguirem vencer a si mesmos.
— É verdade!!!
— E, se assim é, nenhum auxilio fraterno ao próximo deve ser prejudicado por
conta das dificuldades pessoais daquele que auxilia.
— Amar ao próximo como a si mesmo.
— Exatamente companheiro!!! Pois somente dando deste amor é que se
conseguirá receber do mesmo.
— Entendo.
— Será que entende mesmo?
— .....................????
— A sua sereia companheiro.
— Minha esposa?
— Isto.
— O que há com minha esposa?
— Você diz que a ama muito e que gostaria que ela demonstrasse o mesmo amor
por você.
— É verdade!
— Mas, será que você demonstra este amor por ela?
— Claro!
— E que amor você demonstra?
— O meu amor por ela!
— O fato de você estar ingerindo muita bebida alcoólica, aos olhos dela,
será que é demonstração de amor? Os palavrões que você profere em direção
aos sensíveis ouvidos dela também serão demonstração de amor?
José Carlos engoliu seco e Capitão Miguel prosseguiu:
— Por que se você chamar estas atitudes de demonstração de amor, então saiba
também que é todo esse "amor" que você vem ofertando a sua sereia que a tem
feito ofertar do mesmo"amor" a você só que na forma de indiferença nas
intimidades entre vocês.
— Puxa!!!
— Amar ao próximo como a si mesmo também é demonstrar aquele amor que a
pessoa amada espera receber de você, por que é muito fácil amar sem ter que
abrir mão de você mesmo. Observe como eu seguro minha "loura".
E, dizendo isto, Capitão Miguel levantou rapidamente o casco de cerveja e
tomou do seu liquido da mesma forma. Olhando posteriormente para José Carlos
ele disse:
— Eu adoro espuma e é por isto que viro a minha loura desta forma quando vou
tomá-la. Se eu não gostasse de espuma procuraria virar o casco de outra
forma.
— É verdade.
— E você, como prefere beber a cerveja?
— Sem espuma.
— Tome aqui um gole da minha "loura".
José Carlos bebericou e procurou esconder a careta por ter ingerido o tanto
de espuma que ainda estava aderida à cerveja.
— A minha "loura" desceu quadrada na sua garganta, não foi companheiro?
— Desculpe, mas foi isso mesmo!
— Pois então da próxima vez que você for agir com a sua esposa de uma forma
que a desagrade procure, antes, lembrar-se de como este gole da "loura" de
Capitão Miguel desceu quadrado na sua garganta e mude sua postura no agir
com ela para que seu comportamento não desça quadrado em direção aos mais
puros sentimentos que ela nutre por você.
José Carlos sensibilizou-se profundamente e colocou um sorriso sincero no
rosto quando respondeu:
— Com fé em Deus eu farei o que me pede!
— Teu sorriso não foi tão lindo quanto o da sereia Matilde, mas eu também
gostei da sinceridade presente nele.
— Puxa Capitão Miguel você surpreendeu-me!
— Eu?
— É! Pois dizem que a linha dos marinheiros trabalha com pedidos materiais,
mas com a irmã Matilde o senhor não trabalhou desta forma!
— Entenda que o nosso atributo é sermos lixeiros do astral e encaminhar toda
negatividade recolhida para ser esgotada no seio do Mar Sagrado, sendo que
muito da sujeira recolhida advém de energias referentes a questões da vida
material de vocês encarnados, está entendendo?
— Sim Capitão Miguel!
— Mas com a sereia Matilde tive que proceder diferente por que, afinal, ela
em toda sua benignidade só quis ver o melhor de mim. Ela não foi logo
despejando seus "lixos" em cima de mim, mesmo sabendo que meu dever é
recolhê-lo. De mim ela só quis a alegria que existe no coração de cada
marinheiro por trabalhar na umbanda.
— Puxa Capitão Miguel, que lindo!!!
— A maioria dos nossos consulentes pelos terreiros de umbanda julgam que nós
temos a obrigação de limpar todo o "lixo" deles, mas nem se importam de
receber a nossa alegria; outros, em número bem menor, entregam-nos as suas
imundícies, mas também divertem-se em receber da nossa alegria.
— É verdade.
— Já a sereia Matilde foi um caso raro no trabalho deste marinheiro por que
de Capitão Miguel ela só quis a alegria, chegando inclusive a rogar a Deus
que levasse a tristeza dela embora para que eu não me sujasse com a sua
melancolia.
— Puxa Capitão Miguel, o que o senhor hoje confessa a mim é tocante!
— Por falar em tocante, o apito do navio está tocando a nos chamar, você
está escutando?
— Meu Deus é incrível, eu estou escutando!!!
— Dá licença só um instantinho companheiro!
Chamando a atenção dos marinheiros que estavam presentes no terreiro,
Capitão Miguel disse:
— Vambora marujada, o barco já vai partir!
E falando com todos os médiuns do terreiro, mas olhando na direção de José
Carlos, Capitão Miguel despediu-se dizendo:
— Boa noite!!!
Os marinheiros então foram desincorporando e, um a um, passaram a formar uma
fila para entrar no barco atracado na beira da praia. Cada um deles
carregava uma rede cheia de lixo astral para ser esgotado com a energia
divina do Mar Sagrado.
Quando a última entidade entrou na embarcação a visão de José Carlos foi
embora.
Todos os médiuns da corrente mediúnica do terreiro deram-se as mãos a
realizar preces de agradecimento a Deus por todas as bênçãos recebidas
naquela reunião, mas o que nenhum médium conseguia compreender era a
insistência caudalosa com que inúmeras lágrimas deslizavam dos olhos de José
Carlos por toda a sua face: é que cada lágrima representava uma prece de
agradecimento sincero ao Divino Criador pelo fato dele, naquela gira, ter
aprendido não apenas a aceitar o trabalho dos marinheiros, mas também a amar
com todas as forças de sua alma e, principalmente, humildade do seu coração.
Saravá a toda linha de trabalho dos marinheiros!!!!!

Um comentário:

Talita Batista dos Santos disse...

Nossa adorei o que li,foi um momento único para mim e por incrível que parece me identifiquei com a história
de José Carlos...valeu

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EPA HEY OYA!

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SARAVÁ IANSÃ!

SAUDAÇÕES AOS IRMÃOS!

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CLAUDIA BAIBICH

EPA HEY, OYÁ MINHA MÃE!

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